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Bob Dylan – O Dia em que a Criatura Ficou Maior do que o Criador

Sempre fui fã do Bob Dylan (que começou como cantor americano de música Folk e depois teve grande influência de cantores britânicos passando para uma linha do “rock”), desde os meus 17 anos. Por acaso, meu pai tinha uma boate na praia de Capão da Canoa, situada no litoral gaúcho, e nos verões do final da década de 70 e início da década de 80 era famosíssima.

Bob Dylan, cabeleireira crespa, nariz alongado e uma “gaita de boca”.

Durante a alta temporada eram contratados alguns dos melhores DJs da época e um deles esqueceu um álbum do Bob Dylan e nunca mais foi buscar. Em uma noite fria de inverno, sem nada para fazer, fui vasculhar as caixas de discos de vinil (pasmem era moda na época e, graças a Deus, voltou) e dei de cara com um jovem de 20 e alguns anos, com uma cabeleireira crespa, nariz alongado e uma “gaita de boca” no queixo. Gostei da figura. Achei diferente e resolvi colocar para tocar na vitrola lá de casa, pronto, a paixão foi imediata! A voz áspera de Dylan me perturbou e causou um impacto positivo, diferente de qualquer cantor estrangeiro da época. Fiquei apaixonada pelo clássico “Lay Lady Lay” e ouvia dia e noite. Mal sabia que neste período (anos 80) Dylan estava em alta com canções de folk-rock, gospel, rock, que atingiam uma variada gama de público, inclusive eu. Comprei vários discos de Bob Dylan, mas meu sonho era um dia assistir a um show dele, cantar suas músicas, mesmo que o meu inglês não fosse nada bom: “Lay, Lady, lay Lay across my big brass bed, Lay, Lady lay Lay across my big brass bed…”

Minha canção preferida “Lay Lady Lay”.

Passou alguns anos e Bob Dylan já estava um tanto decadente (segundo alguns críticos musicais, ele passou por esta fase). Em 1991 e 1998, eu perdi os shows dele em Porto Alegre, não tinha mais ingressos. Mesmo em apresentações em grandes casas de espetáculos, os ingressos se esgotavam em poucas horas. Não podemos deixar de citar que na época havia os famosos “cambistas”, que compravam os ingressos e vendiam por 10 vezes mais. Há alguns anos atrás ele voltou à minha cidade e, nessa ocasião, fui para a fila comprar ingresso (ainda não tinha a venda on line). Após umas 4 horas com sol na cabeça e algumas centenas de fãs na frente tinha acabado os ingressos. Aí eu pedi a Deus: “Um dia eu ainda vou ver este ‘cara’ tocar, nem que eu esteja com 100 anos!!” Dizem que quando a gente faz um pedido, com muita vontade, os anjos dizem “Amém”.

E o meu anjo da guarda lá de cima me disse: “Amém”.

Pois bem, passaram-se os anos, eu vim morar em Nottingham e, casualmente, bem pertinho de um ginásio de shows, o Motorpoint Arena, com capacidade para 10.000 pessoas. Não por acaso, passei na frente da Arena e vi um cartaz “Bob Dylan, dia 05 de maio de 2017”. Meu coração bateu mais forte, entrei na hora e comprei o ingresso por 55 pounds (em torno de 260 reais). Feliz da vida, esperei este dia, como se fosse um evento sobrenatural.

O dia chegou, fãs todos caracterizados como Bob, vestidos como cowboys (por aqui as pessoas adoram se fantasiar em dias de festa). Senhores e senhoras com mais de 70 anos, era o público que mais entrava no estádio. Eu e o meu marido entramos e ocupamos nosso espaço, bem em frente ao palco, mas a uma certa distância. Eis que entrou Bob Dylan, sem as suas botas e chapéu em estilo cowboy americano, estava mais ao estilo de lord inglês. O estádio em completo silêncio. Eu soltei um grito “abafado” e muita gente me olhou com cara feia (quem é esta louca!!!). Pois bem, acostumada com shows no Brasil, que se canta e dança junto com o artista, desta vez, fiquei presa na cadeira. Para piorar, tentei filmar e logo os guardas bateram no meu ombro e falaram em alto em bom tom: “Da próxima vez, serás expulsa”. Tudo bem, primeiro mundo, é assim mesmo, temos que ser educados. Mas falando em show, eu quase enfartei, literalmente. Vi um Bob Dylan, já idoso, que fez um show, ora no violão, ora no piano, tocando músicas que eu nunca tinha ouvido. Parecia que estava vendo o show errado e pensei assim: “Puxa, a vida passa rápido, o Bob Dylan não tem mais força para tocar a gaitinha de boca dele”. O cara envelheceu! Saí do show com o coração apertado, com vontade de sumir!! Eu esperei tanto para ver isto? Mas eis que o “Anjo do Amém” (aquele que prometeu o show anos atrás), me apresenta o melhor show do Bob Dylan.

Bem na frente da Arena tem uma praça e tinha uma multidão cantando as melhores canções de Bob Dylan, tais como: Like a Rolling Stone, Hurricane, Knockin’ On Heaven’s Door, Girl from the North Country, Lay, Lady, Lay, Mr. Tambourine Man, Blowin’ In the Wind, I Want You, com direito a gaitinha de boca, vozeirão, cabelo irreverente e vestido no melhor estilo anos 80. Pronto, eu e outros tantos gritávamos, cantávamos, dançávamos com o melhor que o Bob Dylan cover tinha para nos oferecer, foi mais de uma hora de “showsaço”.

O cover do Bob Dylan representando a perfeição do astro quando jovem.

Olhei para o céu e agradeci. Logo vi um carro preto grande passar por nós e imaginei que nele poderia estar o Bob Dylan, olhando o povão cantando as suas canções em plena rua com seu cover e talvez tenha pensado: “Eu queria estar ali…” No outro dia contei o fato a um amigo inglês, músico, e ele disse assim para mim: “Pô, o cara tem 76 anos, está mais do que na hora dele tocar o que ele acha que tem de melhor e não o que o público quer”. Enfim, valeu a lição da experiência de vida.

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