O IntercâmbioMy Colleague Alah

My Colleague Alah

Iniciei meus estudos na Notthingham Language Academy de forma tranquila, sem muita angústia, pois uma das vantagens de estudar inglês após os 50 é justamente a oportunidade de experimentar “tudo outra vez”, mas de forma serena. A aposentadoria, apesar de muitas pessoas acharem que é um horror, pois pensam que todos chegaram a essa etapa “caindo aos pedaços”, também é uma fase legal da nossa vida. Bem, o início das aulas foi calmo, até porque os professores eram maduros e experientes (todos com Mestrado e com mais de 40 anos), bastava prestar a atenção, seguir as orientações, fazer os exercícios e estudar em casa.

A linguagem mais entendida no mundo é a do coração.

O que mais me deixou nervosa foi encontrar colegas do mundo inteiro e ter de conviver com eles falando somente o “inglês”. Bateu o pavor, porque pensei cá com meus botões: “Vou passar uns bons meses sem falar nada, pois meu inglês é péssimo e ninguém vai entender nada”. Mas, ao contrário, desde o primeiro dia você tem de fazer o bendito “Introduce yourself”. Ou seja, você tem que, basicamente, chegar bem, se apresentar, dizer seu nome, idade, profissão e o país de origem. Realmente, é neste momento que você chega à conclusão que tem de falar sempre o inglês, mesmo que de forma errada, com a pronúncia horrível e com a sensação de que jamais será entendido. Nossa turma na escola tinha, em média, umas 12 pessoas, sendo a maioria de origem árabe.

Nossa turma na escola era, na maioria, de origem árabe. Na foto, Mohammad e Emman.

Na hora do “Introduce yourself” era tudo muito “colorido”, pois os nomes não eram nada comuns: Mohammad, Hanna, Oman, Emman, Ahmand e assim por diante. Oriundos de diversos países do Oriente Médio, a única coisa que tinham em comum era a língua árabe ou alguns dialetos da região e a religião muçulmana. Outra característica comum era que todas as mulheres eram casadas, sendo que os matrimônios ocorriam quando elas eram muito jovens. A forma de pensar e de se vestir era bem diferente entre eles, pois alguns se “ocidentalizavam” e outros não. Mas eu quero falar, especialmente, sobre a minha colega Alah.

Alah tem os olhos mais lindos que eu já vi na vida.

Quando ela foi apresentada em sala de aula eu quase caí para trás, porque veio vestida com “niqab”, uma espécie de véu complementado por um pedaço de tecido, que só deixa os olhos expostos. Não chega a ser uma burca, mas é similar, e aquele tipo de roupa era usado diariamente. Quando ela disse que seu nome era Alah, eu pensei: “Mas Alah não é o nome de Deus em árabe? “Allah”, para mim, era um nome sagrado. Mas, soube depois, era um nome de uma mulher em forma de anjo. Já no primeiro dia a Professora me recomendou: “Vania, senta ao lado da Alah e treina o teu inglês com ela”. E aí eu pensei: “A professora está louca”, como irei entender ou falar com alguém que tem um lenço na boca? Se o inglês é uma língua que valoriza a pronúncia correta e é uma linguagem de sons, como eu poderia fazer isto? No início recusei, fiquei chateada, pois acreditava que estava sendo discriminada pela Professora (tipo, mulheres têm de sentar com mulheres). Aos poucos, fui deixando o preconceito de lado e passei a gostar de Alah. Aliás, já estava amando Alah como colega e amiga mesmo. Aprendi a conhecê-la pelos olhos, afinal, não tinha outra forma. Sabia exatamente o que ela sentia, se estava triste ou alegre, e falava com ela diariamente, sem nunca saber exatamente como era seu rosto.

Fiquei sabendo que ela tinha 28 anos, era casada com um estudante (que fazia Medicina na Universidade de Notthingham) e seu país de origem era o Kuwait. Ela me mostrou, através de fotos, que na terra dela havia praias maravilhosas, com o mar azul muito claro e que a família dela montava uma tenda à beira-mar, em uma espécie de acampamento privado, e que todos ficavam celebrando a vida, durante o verão inteiro.

Alah e sua praia de milionária.

Tinha dois irmãos e adorava cozinhar para o marido, o que também é uma característica das mulheres árabes. Tinha muito ouro por baixo das roupas e gostava de decorar a sua casa.

Seu inglês era “sofrível”, que nem o meu, mas nós nos entendíamos que nem duas meninas de 10 anos. E isto me fez pensar que o mundo não tem fronteiras, muito menos a nossa cabeça. Que o preconceito é criado pela mídia e que somos produtos de uma sociedade que vive separando as pessoas, do pobre ao rico, do negro ao branco e das mulheres com véu e sem véu, dentre outras “barreiras” que são impostas.

Terminamos o ano de 2016 de mãos dadas, nos abraçando como mãe e filha, ou como duas amigas, meio crianças, meio adolescentes.

Últimas postagens

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

error: O conteúdo está protegido !!